A Música, o Luzeiro e o Tempo – por Mirianês Zabot
O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, lançado em 2001 sob a direção do francês Jean-Pierre Jeunet, é um filme cheio de sutilezas, que destaca o valor de cultivarmos e vivenciarmos os pequenos prazeres, como contraponto à solidão. Uma obra extremamente humana, que rendeu cinco indicações ao Oscar e uma ao Globo de Ouro, entre outras importantes premiações.
A envolvente trilha sonora, composta por Yann Tiersen, – descoberto por acaso pelo diretor do longa, graças a um de seus estagiário, que durante uma viagem de carro, estava ouvindo uma fita cassete do artista -, dá um tom jocoso para a história, de uma vida bem comum, protagonizada pela inocente Amélie Poulain. Nossa heroína cresceu isolada de outras crianças e recebeu pouco amor de seus pais, – que assim como todos os demais personagens, eram pessoas de gostos e hábitos simples -. Para fugir da frieza de seu pai, do nervosismo de sua mãe, e do tédio dos dias, Amélie inventava para si um mundo mais empolgante e cheio de aventuras.
O filme, rico em detalhes, merece ser apreciado com olhos atentos, principalmente às expressões da atriz Audrey Tautou, que soube captar com maestria as delicadas nuances da protagonista. As cores utilizadas durante todo filme foram vermelho e verde, acompanhados por uma luz laranja-amarelada. Essa combinação de cores, expressa a energia vital de Amélie, que a despeito de qualquer adversidade, mantem-se sempre otimista. O mesmo conjunto de cores representa também o processo de amadurecimento dessa personagem. Existe sinergia entre as cores, as sutilezas das interpretações e os detalhes das cenas, que se misturam lindamente com a música fundo.
A trilha fundo foi executada predominantemente por um acordeon, com algumas interversões ao piano e orquestrais. A escolha por um arranjo que traz o acordeon como protagonista é bastante interessante, já que pelo respirar de seu fole, esse instrumento revela a alma do enredo, criando uma atmosfera leve e lúdica, que nos coloca em um estado de bem-estar, em harmonia com nós mesmos, no mais perfeito fluir ao compasso da vida.
A única música com letra é a valsa “Si tu n’étais pas là”, de Gaston Claret e Pierre Bayle, que foi gravada em 1934, pela cantora e atriz francesa Fréhel, cujo nome de batismo é Marguerite Boulc’h, – uma ex-menina de rua, que aos cinco anos de idade, cantava acompanhada de um cego -. No filme, esse o registro fonográfico ecoou em uma estação de trem, vindo de uma vitrola, nostalgicamente acomodada no colo de um personagem, também cego.
Amélie desenvolveu um gosto por observar o mundo e as pequenas coisas, que ninguém mais vê, assim ela vive em um constante flerte com a solidão e, toda vez que esse sentimento se aproxima, ouvimos a introspectiva “Comptine d’un autre été, l’après midi”. Já “L’Autre valse d’Amélie” é o encantador tema que toca sempre que o amor se avizinha de algum dos personagens do filme.
Em um determinado momento, Amélie teve seu destino revelado: ajudar os outros através de pequenos gestos, levando assim, mais poesia e espanto a vida dessas pessoas. O tom fantástico, cômico e imaginativo do filme se fez presente quando ela apareceu fantasiada de Zorro, mantendo sua identidade em anonimato, de forma altruísta oferecia às pessoas, aquilo que mais lhes fazia falta. Com uma sensibilidade certeira, Amélie, conduziu o cego até a entrada do metrô, nesse rápido caminho que percorreram de braços dados, ela devolveu luz ao coração desse homem. Tornando-se seus olhos, com entusiasmo, ela narrou uma grande quantidade de detalhes presentes na rua e nas lojas por onde passaram. A dinâmica dessa inspiradora cena se deu com “La Valse d’Amélie”.
A contagiante “A quai” nos lembra de deixar a porta aberta, para que o inesperado possa acontecer. A marcha “Les jours tristes” enche nossos corações. Talvez seja, justamente, seu ritmo marcial quem nos coloca em movimento, com vontade ir à luta, expurgando os dias tristes.
O filme mostra que o fabuloso está nas pequenas coisas, naqueles instantes que valem por uma eternidade. Uma oportunidade pode demorar muito para chegar e, ir embora bem depressa. A vida é feita de sucessivos acontecimentos, alguns bons, – outros ruins -, o que realmente importa, é sermos capazes de apreciar cada um desses mágicos acontecimentos.
Por Mirianês Zabot
* Texto publicado em 19/07/19 na coluna “Ouvimos”, do Cine.RG
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