X – Vem aí a CPMI do traque.
Y – O que é traque?
X – Eu estou falando por metáfora.
Y – Sim, eu sei. Não há outra maneira de se falar hoje em dia. A realidade, tal como nós a conhecíamos, foi esfacelada com a invenção do bit. As palavras dizem o contrário do que elas queriam dizer na era das máquinas de escrever.
X – Pois, então.
Y – Pois então eu estou te perguntando o que é traque – ainda que metaforicamente falando.
X – Traque é pum. É que pum é feio. Cheira mal. É uma palavra que já vem contaminada pelo significado. Mas, se você preferir, podemos usar o significante flato.
Y – Flato é bom. Cheira bem.
X – Usemos flato, então.
Y – Então você quer dizer que vem aí a CPMI do flato.
X – Sim. E o Brasil – ou o meta-Brasil, que é o Brasil discutido na esfera legislativa pelos representantes do povo, vai ficar ainda mais absurdo e complexamente raso. Veja se não: o sujeito – sujeito a objeto de investigação – passa quatro anos do mandato dizendo que vai soltar um flato. Incita seus correligionários a fazerem o mesmo. E todos são de acordo: sim, mestre, unidos, soltaremos. Quatro anos depois, uma legião de flatos é soltada, mas a coisa fede tanto, fica todo mundo tão atarantado com o odor medonho, que os Imbecis resolvem dizer que na verdade quem soltou os flatos foram os Outros.
Y – Os inimigos do povo, como diria Ibsen.
X – Eu não sei quem é Ibsen.
Y – O autor de uma peça chamada “O Inimigo do Povo”.
X – Brasileiro?
Y – Norueguês.
X – Ah, então ele não sabe do que nós estamos falando.
Y – Claro que sabe. Flato é flato em qualquer parte. Aquela ambição de uma língua única, universal – o esperanto – foi para o campo dos odores. Todo mundo entende a língua dos cheiros. Um cheiro ruim é ruim em qualquer parte do globo.
X – Pois é isso: o flato é o novo fato.
Y – Mas você acha que as pessoas vão acreditar no fato de que foram os Outros que soltaram os flatos?
X – Claro. Os Imbecis acreditam no que lhes interessa. Afinal, os Outros também são capazes de soltar flatos. Todo mundo é e aí fica fácil fazer a confusão. Flato não deixa prova material. Flato paira no ar por um tempo, fede, enlouquece, exaspera, depois some. É fácil transferir para outrem a autoria imaterial de um flato.
Y – Entendo. Mas é preciso ser um pouco burro, não, para acreditar que foram os Outros que soltaram os flatos, uma vez que quem anunciava que soltaria eram os Imbecis.
X – E alguém escolhe ser burro? Alguém escolhe ser o que é? Nascemos condenados a um personagem. Às vezes, a um personagem burro que tenta ser inteligente da maneira que consegue, ou seja, enfiando os pés pelas mãos, para não dizer “pelos cus” – o que soaria grosseiro.
Y – Então não há muito o que se fazer.
X – Não. Só assistir.
Y – Ou excitar Ludwig.
X – Beethoven?
Y – Wittgenstein: “Os fatos fazem parte todos do problema, não da solução”
Rodrigo Murat é escritor
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