É realmente estarrecedor verificar os esforços que uma pessoa pública é capaz de fazer para manter a sua opinião errática azeitada a outras opiniões erráticas proferidas em série, ainda que sob o preço de ter a sua imagem e o seu passado de conquistas borrados. Estou falando da atriz Regina Duarte, que, de post em post, reafirma a sua arrogância negacionista e a sua incapacidade de se colocar no lugar do outro para fazer com que a sua opinião prevaleça, não obstante as evidências dos fatos. Recentemente, ela debochou com sutileza pueril da questão amazônica ao escrever: “A infância desamparada dos ianomâmis, `uma gente´ criada à base de mandioca, feijão, verduras e peixe”. Bom, ou ela não está acompanhando o noticiário com isenção ou precisa adaptá-lo para fazer crer que tudo não passa de mais um mimimi da Esquerda interessada na ruína do opositor. Males de toda sorte vão saindo da caixa de Pandora bolsonarista e ela vai adaptando-os para que o que ela pensa continue válido e de acordo com o que ela já pensava antes. É um tipo de mente retilínea, que aponta pra frente independente do que vier, pois a realidade – para ´essa gente´´ – não é o que acontece, e sim o que se quer extrair dela. Fico imaginando o que ela diria sobre as carpas mortas no lago do Palácio da Alvorada para que as moedas pudessem ser resgatadas. Será que seria algo do gênero: “Ai, gente, agora também vão defender os peixes? Tanto assunto mais importante!”
PANO RÁPIDO
Cresci assistindo a Regina Duarte na televisão. Em “Carinhoso”, ela era a minha namoradinha em preto-e-branco com aquele cabelo liso escorrido e aquele sorriso meigo de princesa diáfana disputada pelos irmãos mauricinhos interpretados por Cláudio Marzo e Marcos Paulo. Antes, ela já havia sido a sofrida Simone de “Selva de Pedra” e a ingênua Ritinha de “Irmãos Coragem”, entre outras mocinhas virginais.
Para romper esse ciclo dos personagens açucarados, nos anos 70 ainda, Regina foi para o teatro fazer “Réveillon”, do Flávio Márcio, uma peça apocalíptica, onde, se eu não me engano, todos os personagens se suicidam. Não tinha idade para assistir, mas li o texto na época. Ela buscava provar que não era só um rostinho bonito numa moldura romântica.
Só fui assisti-la no teatro muitos anos depois – em 1992 – quando, numa ida a São José do Rio Preto, interior de São Paulo, me deparei com “A Vida é Sonho” em cartaz. Arrastei uma parentada para o teatro animada com a ideia de ver a Viúva Porcina ao vivo. A montagem do Gabriel Vilella era bonita, o texto do Calderón de La Barca maravilhoso, mas Regina tinha dificuldades corporais de embarcar na proposta expressionista da montagem e, habituada a usar somente o rosto nos closes da tevê – o que, aliás, ela fazia como poucas –, enfraquecia o seu Segismundo.
Outra que vem usando da tal da “liberdade de expressão” para dizer o que pensa e aprisionar conceitos no que ela “quer-que-seja” é Cássia Kis, que lembro de ter visto em “Fedra”, ao lado de Fernanda Montenegro, numa montagem de Augusto Boal nos anos 80. Inesquecível também sua participação no filme “Os Inquilinos” de Sérgio Bianchi, entre inúmeros outros bons trabalhos.
Alguns poderão defender que elas são corajosas – e eu não discordaria. É preciso muita coragem para dizer o que se pensa, especialmente quando vai na contramão do bom-senso. (Claro que “bom-senso” usado aqui em concepção subjetiva sujeita a todas as contestações.)
Tudo isso me fazer pensar num aforismo de Franz Kafka que diz: “Na luta que travas com o mundo, torça sempre pelo mundo.” Não é o caso. Regina e Cássia continuarão torcendo por elas e pelo que elas pensam.
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*É claro que o título “A Odiadinha do Brasil” é mera paráfrase ao “Namoradinha do Brasil” e não condiz com a realidade – pelo menos não na sua amplitude, já que metade da população brasileira que votou no Bozo deve adorá-las.
**Acho incrível que ainda tenha gente que use a expressão “essa gente” sem se dar conta do grau de preconceito embutido. A gente sempre espera que ao menos artistas atores – embora egoicos – tenham essa sabedoria de se colocar no lugar do outro, já que passam a vida fazendo isso por atividade.
Rodrigo Murat é escritor
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