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A VIDA DAS PESSOAS É CHATA, ELAS QUEREM FÁBULA

Tapete vermelho

A VIDA DAS PESSOAS É CHATA, ELAS QUEREM FÁBULA

Esta semana saiu uma reportagem no jornal “O Globo” com Maeve Jinkings. Entre outras revelações acerca de seu mundo privado, a bela e ótima atriz brasiliense – que, no momento, surfa nas ondas do sucesso da série de streaming “Os Outros” – conta que quando foi apresentar o longa “Aquarius”, de Kléber Mendonça Filho, no Festival de Cannes, em 2016, acanhada perante à pompa monumental do evento, recebeu de sua companheira de elenco Sônia Braga uma foto – de Grace Kelly posando exuberante para a multidão de fotógrafos na escadaria do palácio de Cannes décadas antes – e um conselho: “É assim que você deve se sentir. A vida das pessoas é chata, elas querem fábula”.

Muita gente só percebeu o valor da arte durante a recente pandemia de Coronavírus, quando todos nos vimos confinados em nossas bolhas, dependendo dos shows online e das séries em maratona para “esfriar o cabeção”. Eu mesmo levei um bom tempo para entender que a minha profissão de escritor é tão vital quanto às outras. Já pensou num mundo sem filmes, sem canções, sem fábula? A arte está tão entranhada em nosso esqueleto social, que não nos damos conta do seu papel na manutenção do tônus.

Por outro lado, essa glamourização excessiva em torno do artista renomado cansa. São poucos os famosos que fazem bom uso desse status, e eu espero que Sônia, ao dizer à Maeve que “a vida das pessoas é chata” estivesse se incluindo no pacote “pessoas”, para que não fique parecendo que ela e seus pares – à luz loira de Grace Kelly – pertencem a uma casta elevada e a salvo dos perigos.

Para eles – os famosos – deve ser ainda pior. Já pensou ser uma “pessoa pública” e ter sua biografia escrutinada por todos indiscriminadamente? Uma Sônia Braga chega a um evento em que porventura não conhece ninguém, e mesmo assim, todos ali têm uma opinião sobre ela. Só isso já confere à pessoa célebre um distanciamento com relação a si mesma que nem Freud explica. Todos nós somos reféns do escrutínio alheio, mas os famosos têm isso elevado à máxima potência.

A fama é uma faca de mil gumes e deve espetar à beça. Todos temos dela, no entanto, uma visão edulcorada, e programas como “Big Brother” e redes sociais como Instagram, reforçam a ilusão de acesso democrático a tal patamar, como se para ser famoso bastasse ser o que se é.

É claro que para certas profissões a fama é condição sine qua non. Entretanto, existe a fama do nome e a fama do rosto. Escritores, em geral, quando bem-sucedidos, costumam projetar o nome, e podem andar pela rua sem serem perseguidos por quem lhes reconhece os traços fisionômicos. Já quem projeta o rosto não escapa de ser um obscuro objeto do desejo por parte da maioria de anônimos sequiosos.

O anonimato é uma bela tentação. A ideia de que meu rosto será esquecido pela maioria que o viu durante o dia é reconfortante. Se eu escorregar na rua, ninguém que tiver presenciado a cena vai chegar em casa com o comentário na ponta da língua: “Nossa, hoje um sujeito de camiseta e calça jeans escorregou na rua”. Mas se o tal sujeito de camiseta e calça jeans for a Sônia Braga, o tema do jantar em família não será outro e, trinta anos depois, continuará vívido na lembrança de alguns.

O esquecimento é a alma do negócio. A memória é o corpo.

Rodrigo Murat é escritor
Rodrigo Murat
Imagem:Bruno Dulcetti
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