A Covid-19 acelerou mudanças profundas na maneira como as economias e a sociedade funcionam.
No mercado financeiro, há duas dinâmicas relacionadas: a função de tornar a economia mundial mais resiliente e justa e o crescimento de investimentos sustentáveis.
As consequências da pandemia têm sido altamente desiguais. Ela provocou a contração global mais severa desde a Grande Depressão e a queda mais abrupta dos mercados de ações desde 1987.
Agora, enquanto as Bolsas se recuperam à medida que a pandemia arrefece, a devastação econômica continua, com taxas de desemprego bastante elevadas, pequenos negócios fechando as portas diariamente e famílias ao redor do mundo lutando para pagar o aluguel e comprar comida.
Vivemos num mundo em que os benefícios do mercado financeiro não são compartilhados de maneira uniforme, e temos a oportunidade real de retirar barreiras e permitir uma maior participação das pessoas.
Há várias maneiras de fazer isso. Primeiro, podemos tornar os investimentos mais simples e acessíveis.
Depois, podemos insistir para que as empresas tenham foco no longo prazo, operando de forma sustentável e atendendo a todos os seus stakeholders – ao fazer isso, conseguirão oferecer retornos consistentes de longo prazo a seus acionistas.
Por fim, podemos tornar possíveis investimentos sustentáveis que ajudem a construir carteiras de investimento de longo prazo e alinhadas a uma economia global net-zero, ou seja, que só emite a quantidade de dióxido de carbono que é capaz de retirar da atmosfera até 2050 – o prazo estabelecido pela comunidade científica para manter o aquecimento global abaixo de 2ºC.
Em janeiro de 2020, escrevi em minha carta anual aos acionistas que o risco climático é um risco para os investimentos. Afirmei, na época, que, à medida que os mercados começassem a precificar o risco climático e incluíssem isso nas avaliações de ativos, haveria uma importante realocação de capital.
Aí a pandemia teve início e, em março, dizia-se que a crise tiraria a atenção que era dada ao clima. Mas aconteceu justamente o contrário, e a realocação de capital passou a ocorrer de forma ainda mais acelerada do que eu havia previsto.
De janeiro a novembro de 2020, os investidores ao redor do mundo colocaram US$ 288 bilhões em ativos sustentáveis, um crescimento de 96% em relação a todo o ano de 2019.
O que vimos em 2020 foi o começo de uma transição longa, mas que está ganhando força rapidamente. Além da demanda recorde por investimentos sustentáveis, vemos um impulso sem precedentes às políticas relacionadas às mudanças climáticas.
Em 2020, União Europeia, China, Japão e Coreia do Sul se comprometeram a zerar as emissões líquidas de carbono. No mês passado, o presidente americano, Joe Biden, disse que os Estados Unidos voltariam a integrar o Acordo de Paris.
Com isso, 127 governos – responsáveis por mais de 60% das emissões globais – estão considerando ou já implementando ações para zerar as emissões líquidas.
Isso levará a uma transformação da economia de forma ampla, e todas as empresas, abertas ou fechadas, terão seus modelos de negócios profundamente afetados.
A pandemia também mudou a maneira como as pessoas investem. Digo há anos que a sociedade está pedindo que as empresas tenham um propósito social. Sem um senso de propósito, nenhuma empresa, aberta ou fechada, pode atingir seu potencial.
A pandemia marcou um ponto de inflexão, refletido no fluxo de recursos para investimentos que seguem os princípios ESG (sigla em inglês de ambiental, social e governança corporativa). Temos de olhar para o E, mas também para o S e o G.
Essa mudança abre uma oportunidade histórica de investimento, e não apenas para os grandes investidores. A criação de índices de investimentos sustentáveis tornou essa oportunidade acessível ao varejo.
No Brasil, por exemplo, mudanças recentes na regulação permitiram o acesso ao mercado internacional de ações por meio dos Brazilian Depository Receipts (BDRS).
Hoje, muitos dos iShares ETFs da BlackRock estão disponíveis localmente, por meio de BDRs, e as estratégias ESG estão entre as que mais recebem aplicações.
Durante a crise da Covid-19, vimos muitas empresas trabalhando para atender seus stakeholders.
Companhias que colocaram a segurança de seus funcionários em primeiro lugar, que contribuíram com programas sociais, que agiram rápido para manter o transporte de alimentos e produtos durante os lockdowns.
Num dos grandes triunfos da ciência moderna, empresas desenvolveram vacinas em tempo recorde. E surpreendentemente, em meio a toda a disrupção de 2020, vimos companhias atuando para enfrentar o risco climático.
Minha visão é que o propósito e o lucro de uma companhia estão intrinsecamente ligados.
Ao estar conectadas a todos os seus stakeholders – não apenas aos acionistas –, criar uma rede de confiança com eles e agir com propósito, as empresas se tornam capazes de entender as mudanças que estão acontecendo no mundo e de responder a elas.
Quanto mais uma empresa mostrar propósito e entregar valor aos clientes, aos funcionários e à comunidade, mais ela será capaz de competir e entregar lucros consistentes e de longo prazo aos seus acionistas.
Ao longo de 2020, vimos como empresas com propósito e engajadas nos princípios ESG tiveram desempenhos melhores que os de seus pares. Durante o ano, 81% de uma seleção global de índices sustentáveis superou o resultado de indicadores equivalentes.
Mas isso não está acontecendo apenas com os índices. Dentro das indústrias – automotiva, bancária, de petróleo e gás, entre outras –, companhias com melhores práticas ESG estão apresentando resultados melhores que os de seus concorrentes, e desfrutando de um “prêmio de sustentabilidade”.”
Larry Fink
Fundador, CEO e presidente do conselho de administração da BlackRock, a maior gestora de recursos do mundo, com cerca de US$ 8 trilhões em ativos sob gestão.
Depoimento a Giuliana Napolitano
Fonte: InfoMoney
Imagem:Bloomberg
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