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ASSIM É (SE LHE PARECE)

Suricato

ASSIM É (SE LHE PARECE)

ASSIM É (SE LHE PARECE)

ESQUETE PIRANDELLO
MARIDO E ESPOSA NA SALA DE CLASSE MÉDIA OLHANDO A TV.
– Eu não gosto desse presidente Jorginho. Parece um suricato!
– Parece não, Matilde. Ele é um suricato. Não tá vendo o focinho, a pelagem, as patinhas desmunhecadas na altura do peito?
– É, mas cuidado que chamar de suricato agora tá dando cadeia.
– E desde quando dizer a verdade dá cadeia? Eu, hein! Povo inventa cada uma! Aposto que é a turma dos Direitos Humanos. Sua irmã. Comunista. Esquerdinha caviar.
OITO ANOS DEPOIS. MARIDO E ESPOSA NA SALA DE CLASSE MÉDIA OLHANDO A TV.
– Você ouviu o que estão dizendo?
– (com má vontade de quem prevê abobrinha) – O que, Matilde?
– Que o Rubirosa é suricato.
– Que suricato o que! Olha pra cara do indivíduo. Onde é que você tá vendo suricato ali? Homem honesto, íntegro, liso. Esse cara vai devolver a honra a esse país! Vai desentortar a história!
TRÊS MESES DEPOIS. MARIDO E ESPOSA NA SALA DE CLASSE MÉDIA OLHANDO A TV.
– Estranho.
– (com má vontade acumulada por anos de abobrinha) – O que que é estranho, Matilde?
– Eu estou olhando pro Rubirosa e vendo um suricato.
– Matilde, você bebeu? Engoliu água sanitária?
– Olha lá, Maurílio. Você não tá vendo o focinho, a pelagem, as patinhas desmunhecando na altura do peito?
– Eles botam isso que é pra difamar, Matilde! Então você não sabe que hoje em dia manipulam tudo que é imagem? É photoshop, Matilde! Montagem! Deep fake!
– E por que eles iam fazer isso com um sujeito tão honesto, tão íntegro, tão liso, sem um pelo de pelo no corpo?
– Exatamente por isso. Os suricatos perderam a eleição e agora estão com dor de cotovelo.
– Pode ser L.E.R.
– L.E.R.?
– Lesão por Esforço Repetitivo. Eles ficam o dia inteiro com as patinhas pro alto, dá nisso: dor de cotovelo.
– Tá tirando sarro da minha cara? Tirou o dia pra me infernizar?
– Ah! Eu gostava mesmo era dos presidentes do tempo da mamãe. Agenor Filho. Epaminondas Café. Lucrécio Borges. Cada homem tão fino!
– O Rubirosa é fino, Matilde!
– Como, fino, Maurílio? Semana passada o homem deu uma gravata numa jornalista, chamou a mulher de rachada! Ontem, ele mandou a população tomar xixi pra economizar água! Isso é coisa de gente fina?
– Ah, Matilde, vai querer agora entrar nessa onda da mídia-lixo? Ele não mandou a população tomar xixi, ele mandou a população tomar xixi!
– E não é exatamente a mesmíssima coisa?
– Claro que não. Inverte as sílabas de xixi que você vai ver que é completamente diferente. Quer saber? Eu não vou mais deixar você assistir televisão. Acabou televisão nessa casa. Você não sabe diferenciar realidade de manipulação.

MEIA HORA DEPOIS. MARIDO E ESPOSA NA SALA DE CLASSE MÉDIA OLHANDO A TV.
– A gente vai ficar assistindo televisão desligada agora?
– (sereno como boi no pasto) – A televisão não tá desligada. Você não tá vendo o Rubirosa lá, de terno, falando no cercadinho?
– Eu tô?
– Claro que você tá. Você não é cega.
– Ah.
– Ele é um suricato?
– Não. Ele parece um presidente dos tempos da mamãe.
– Exatamente. A minha sogrinha ficaria orgulhosa se tivesse viva de ter um presidente como ele.
– Posso esquentar a sopa?

FIM

Texto: Rodrigo Murat é escritor

rodrigo murat

Imagem de No-longer-here por Pixabay

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