Se me permitem, é carnaval e eu vou tirar férias de mim mesmo e brincar de ser outro na chuva de confetes. Travesso atravessado ao travesseiro, lendo de través outros autores, que atrás do livro elétrico só não vai quem já morreu. Quem não gosta de verso, é ruim da cabeça ou doente do pé. Olha o calhamaço do Zezé. Ô abre-alas, que eu quero citar.
Desde outubro de 2019, recolho, numa espécie de diário íntimo, frases de livros que me chegam aos olhos e imploram para não ser esquecidas. Compartilho alguma delas com vocês na ilusão de que o carnaval possa ser trégua de preparação para os novos tempos que virão.
“A vida e os sonhos são páginas de um mesmo livro. Lê-las em ordem é viver; folheá-las, sonhar.” (Arthur Schopenhauer)
“O tempo presente é apenas uma ficção de permanência, um poema ou um conto; todavia, tudo o que sabemos do passado ou do futuro está contido nesse poema, ou conto, à medida que o escrevemos.” (Santo Agostinho)
“Um passarinho na gaiola pensa que uma árvore e o céu o prendem.” (Guimarães Rosa)
“Apesar disso, eu estou muito satisfeito com a minha insatisfação comigo mesmo.” (Gotthold Ephraim Lessing)
“Minha consciência é uma roupa suja e amanhã é dia de lavanderia” (Max Jacob)
“A realidade não passa de uma ilusão, mas é uma ilusão muito persistente.” (Albert Einstein)
“Chove e eu penso: haverá coisa mais viúva que a saudade possuir olhos de chuva e eu ter o coração de girassol?” (Cassiano Ricardo)
“A vida é a infância da imortalidade.” (Goethe)
“A ilusão é, finalmente, a ponte sobre o abismo. Quantas vezes, de olhos fechados, não a atravessamos até nos determos diante de um mundo pálido, brilhante, mudo e imenso?” (Tomás Murat)
“Os burgueses epicuristas entediados fingem estar num mundo bom e poético em que todos vão pra cama com todos.” (Rubem Fonseca)
“Temos dois tipos de vozes: uma de dentro, outra de fora. A de fora é o afazer diário. Se o espírito que responde ao dever correspondesse à voz de dentro, então seríamos todos supremamente felizes.” (Yukio Mishima)
“Quando eu digo eu te amo, estou me amando em você.” (Clarice Lispector)
“Clarice disse tudo? A sensação que eu tenho é que ela revelou todos os segredos, abriu todas as portas, jogou fora os cadeados, deixou nossos eus a nu. Depois de Clarice, talvez não seja mais preciso escrever. Pelo menos não sobre a vida, a morte, o homem e a mulher. Sobre outros assuntos, talvez.” (Rodrigo Murat)
“Será que Deus sabe que existe?” (Clarice de novo Lispectando)
“A literatura de Clarice diz o tempo todo alguma coisa. Cada frase tem a ambição de ser um romance com princípio, meio e fins. O livro com finalidades como um objeto útil. Como um haltere para os músculos do espírito. O grande mistério de Clarice é ser claríssima, e tudo o que é cristalino faz turvar a vista pelo excesso. Clarice explica a vida como um tio ensina um sobrinho a andar de patins. Depois de algumas aulas, ele não cai mais. Pelo menos não com o corpo. Pelo menos não perceptivelmente aos olhos de todos.” (Rodrigo de novo Murateando)
“Tudo quanto tenho buscado na vida, eu mesmo o deixei por buscar.” (Fernando Pessoa)
“O corpo lhe subiu à cabeça” (Dorothy Parker)
“As bruxas deixaram de existir desde que deixamos de queimá-las” (Voltaire)
A minha alegria atravessou o mar e ancorou na passarela.
Rodrigo Murat é escritor
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