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CONVOQUE SEU BUDA

CONVOQUE SEU BUDA

Il faut faire avec. Os franceses têm essa expressão meio que intraduzível para o português, mas que a gente entende, e cada vez mais, à medida que o tempo passa e a rolagem dos dias mostra que viver é nadar contra a maré, com os pés às vezes agarrados ao fundo, não obstante as correntes favoráveis que também existem e nos fazem ir adiante. Em tradução literal, a expressão seria: é preciso fazer com. Sim, é preciso fazer a vida com os dissabores, obstáculos e contratempos que lhe são inerentes.

Coligir nossa expectativa de indivíduo com o tecido social vigente é quase sempre frustrante. Queremos encontrar no exterior um eco para nossos desejos íntimos e, isso não se confirmando, somos obrigados a nos adaptar, a recolher em nossas zonas de conforto áreas sombrias e nada reconfortantes. Pensamos que seríamos mais felizes se o mundo lá fora concordasse com o que a gente é; se nosso “eu” encontrasse fora um espelho que o endossasse dentro. Mas não é assim. A quantidade de endosso que podemos aglutinar depende muito mais de um acordo íntimo de nós para conosco, como tantas vezes entoou Fernando Pessoa.

O catastrofismo está no ar – cada vez mais aperfeiçoado pelos canais de comunicação que, se por um lado, são úteis, informam, por outro, buscam o engajamento a qualquer preço através da disseminação do medo. É sabido que um evento ruim viraliza muito mais que um bom, como se o nosso emocional dependesse dessa instabilidade contemporânea para se equilibrar. Novas pandemias, o El Niño, o próximo ciclone, o super verão que se avizinha, tudo é um convite para o abismo.

Saiu no jornal esta semana: “Estudo publicado na revista Nature Geoscience revelou que o planeta caminha para a formação de um supercontinente que poderá levar a Terra a se tornar inabitável e extinguir a vida humana e dos outros mamíferos. O último supercontinente, chamado Pangea, dividiu-se há, aproximadamente, 200 milhões de anos. Graças aos movimentos turbulentos da rocha derretida nas profundezas da Terra, os vulcões poderão libertar grandes ondas de dióxido de carbono durante milhares de anos – explosões de gases associados ao efeito estufa que farão com que as temperaturas subam vertiginosamente.”

É por isso que, na ágora política, os partidos de extrema-direita avançam. Os supostos “homens de bem” prometem soluções mágicas para problemas complexos tais como a questão imigratória na pauta principal de muitos países do chamado Primeiro Mundo. Quem quer dividir o quarteirão com estrangeiros pobres e famintos? O famoso dito “farinha pouca, meu pirão primeiro” nunca foi tão praticado.

A extrema-direita olha o próprio umbigo e, quase sempre, usa Deus para consagrá-lo. A esquerda tenta ir além e enxergar o outro com alguma empatia. Acho que essa pode ser uma definição ainda que rasteira – e um tanto quanto ingênua – dos papéis das duas principais facções da política partidária. Mas é claro que em face de tanto problema, o pragmatismo da direita fala muito mais alto do que o blábláblá humanista da esquerda, muitas vezes rotulado de “esquerdismo caviar” por apontar caminhos que nem ela mesma percorre.

A Argentina parece querer Javier Milei – com aquele seu ar de cantor de rock pauleira universitário – como o novo salvador da pátria. No Paraguai, o dirigente Santiago Peña é do Partido Colorado, de direita. No Chile, José Antonio Kast, da direita populista, aparece à frente nas pesquisas. Na Europa, temos os líderes radicais Viktor Orbán, na Hungria; o Partido Lei e Justiça, na Polônia, e Giorgia Milani na Itália. Espanha, Finlândia, Suécia e Grécia também prometem surfar a onda direitista. Na Inglaterra, o primeiro-ministro Rishi Sunak tenta recuperar o prestígio conservadorapoiando políticas contrárias à preservação ambiental. Nos Estados Unidos, Trump periga voltar com seu ar de justiceiro, seu topete e sua tez laranja.

Nunca foi fácil ser humano. Os animais irracionais, ao menos, têm a vantagem emocional de não antecipar problemas e só sentirem medo quando o perigo aparece. A nós, os racionais, cabe a antecipação dos fatos. Estamos preparados para resolvê-los? Pensar garante a solução, ainda que a longo prazo? A eterna luta entre o bem e o mal está aguerrida. Eu acho que o planeta vence. Só não sei se com os humanos de pé. Até lá, vamos
convocando Buda como sugere Criolo em seu disco.

Rodrigo Murat é escritor
Rodrigo Murat

Imagem: Jordy Meow

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