Esta semana o país teve o desprazer de ratificar a capacidade cínico-contorcionista do PRESIDENTE &$$$#§%, que, depois de tirar de si um alter ego murcho, promete para breve nova circunvolução como a das BONECAS RUSSAS MATRIOSKAS, que se desenfiam umas das outras em tamanhos decrescentes. Numa pesquisa rápida, descubro que o nome matrioska vem do latim mater; que a boneca maior chama-se Mãe, e a menor, Semente.
São muitas as CAIXAS – e em CAIXA ALTA – que vêm se acumulando ao longo das últimas semanas na minha CAIXA CRANIANA. Da CAIXA DE PANDORA – que libera os males do mundo – à CAIXA DE PAPELÃO do clipe de “Alala”, do grupo Cansei de Ser Sexy – que engole os músicos –, passando pelas CAIXAS-PRETAS dos aviões de carreira, e que é também o nome da CAIXA LARANJA que contém a obra de Itamar Assumpção em CD, sou levado à discutível reflexão:
– É preciso pensar fora da CAIXA.
Sim, mas e se fora da CAIXA houver outras, por ora imperceptíveis? Pensar fora da CAIXA garante que outras não são geradas?
Trocando de caixa, termino de ler “ENCAIXOTANDO MINHA BIBLIOTECA”, livro frugal e saboroso de Alberto Manguel que faz um passeio pela história de bibliotecas públicas e privadas em uma elegia e dez digressões, e do qual retiro:
“Apesar disso, perder as coisas não preocupava minha avó. ´Perdemos nossa casa na Rússia, perdemos nossos amigos. Perdi meu marido. Perdi minha língua natal´, ela dizia numa curiosa mistura de russo, iídiche e espanhol. ´Perder as coisas não é tão ruim porque você aprende a desfrutar não do que tem, mas do que se recorda. As pessoas deviam se acostumar com a perda´ Acho que é verdade. Talvez exista, em toda a imaginação humana, uma expectativa não declarada de perder o que foi conquistado. Você constrói, é claro, porque deseja ter uma família, uma casa, um negócio. Se puder, cria alguma coisa com sons, cores e palavras. Compõe uma canção, pinta um quadro, escreve um livro. Mas, subjacente a tudo que faz, existe o conhecimento secreto de que todas aquelas coisas algum dia serão varridas: a canção deixará de ser cantada, o quadro desbotará, o livro será substituído pelas chamas até o dia, ainda por vir (como dizia Isaías), em que a beleza substituirá as cinzas.”
Tem um filme perdido no tempo – bem medíocre, por sinal – chamado “ENCAIXOTANDO HELENA”, que conta a história de um cirurgião apaixonado por uma prostituta. Como ela o rejeita, ele, para mantê-la fiel a seu lado, faz o que está no título: esquarteja-a e encaixota-a.
Quem também está prestes a ser encaixotado – metaforicamente, desta vez – é Charles Bukowski. A roteirista norte-americana Melissa Turkington publicou um tuite contando que comprou num sebo uma coletânea de poemas do escritor com anotações da antiga dona. Indignada com o caráter misógino de alguns versos, ela anotava: “esse escritor é doente”; “eu vou queimar esse livro hoje”.
Logo várias mulheres começaram a retuitar e a manifestar seu ódio coletivo ao autor, enquanto outros – suponho – saíram em defesa do bardo com o argumento de que o aspecto artístico de uma obra não deve imiscuir-se ao caráter do artista que a realiza. Afinal, que culpa tem “Cartas na Rua” e “Crônica de um Amor Louco” de serem “filhos” de um “pai” safado? Caminhamos para um mundo moralmente correto? Tomara, mas a custa de quantos linchamentos? Linchar quem linchou antes se justifica?
Essa questão é complexa e quem sou eu para botar ou tirar lenha dessa fogueira de vaidades e retratações. Se determinada pessoa passa a ter ojeriza de determinado artista por conta de uma má conduta a ponto de não conseguir consumi-lo, acho justo que se mantenha afastado, mas movimentos coletivos sempre me cheiram a caça às bruxas, e sabe-se que milhares de erros e injustiças já foram cometidos em nome de boas causas.
Talvez possamos realizar uma caça às CAIXAS?
Cartas para a CAIXA POSTAL.
Texto: Rodrigo Murat (escritor)
Imagem de capa: O autor americano Charles Bukowski em Paris, setembro de 1978
Foto: Ulf Andersen / Agência O Globo
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