FAMOSA NO CHURRASCO
FAMOSA NO CHURRASCO – DE RODRIGO MURAT
Por vídeo-chamada, convido P.J. – amiga atriz – a ir a um churrasco em casa de M.M. – amigo D.J. – e ela mia:
– Ai, amigo, adoraria, mas sabe o que é? É que fica sempre tanto climão! As pessoas exigem de mim um comportamento X, quando eu só consigo ser Y. Aí, eu faço um baita de um esforço pra tentar me encaixar no que elas estão querendo, e elas começam a fazer carão, como se agora eu tivesse que ser W. Você entende?
Como não entendo, faço cara de rio Tietê.
– Eu sei que você acha tudo isso uma enorme cretinice: esse auto endeusamento, esse pedestal em que nós, os atores de TV, nos colocamos. Acontece que você não sabe o que é chegar num lugar e todo mundo, absolutamente todo mundo, saber absolutamente tudo sobre a sua pessoa: com quantos anos você perdeu a virgindade, com quantos caras famosos você já ficou, se já usou droga, se pôs botox, se votou no Boto… Sabe aquela frase do Rilke?
Como, por acaso, sei, mimetizo:
– “A fama nada mais é do que a soma de mal-entendidos que se formam em torno de um novo nome.”
– Então, é isso! Você não imagina como é tétrico a gente ser olhada com olhar crítico. Olhar de quem tá decidindo se te aceita ou te cancela. Quando eu sou apresentada pra alguém, ou a pessoa faz a egípcia – o que é péssimo, porque é óbvio que ela está blefando –, ou a pessoa se faz de mega-meiga-íntima – o que também é péssimo, porque faz com que eu me comporte mega-besta-pedantemente. Quer dizer, é tipo se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
Aham, sei.
– Eu não queria que fosse assim. Eu não queria que a minha profissão transbordasse os limites do meu trabalho. Por exemplo: um médico. O médico vai lá, faz o trabalho dele, salva quem ele consegue, lamenta os óbitos, depois volta pra casa e não fica gente na rua gritando pra ele: aí, hein, seu canastrão, você quase mata o velho na U.T.I.! É como eu me sinto: uma assassina em potencial de velhos na U.T.I. Você acha que eu estou exagerando?
Como acho que está, mas não estou a fim de polêmica, minimizo:
– Imagina! Só acho pena você perder a chance de se divertir; de passar um domingo legal, com gente bacana, ouvindo música boa.
– Concordo, amigo. Acontece que se eu for, eu não vou me divertir. Eu vou ficar num canto, estressada, com a cara enfiada na caipirinha de lima. Vai ter sempre alguém me olhando, me julgando, vendo coisa que eu não estou a fim de mostrar, que eu não vou estar nem mostrando, na verdade, mas que eu vou achar que estou. Sabe olhar de lince, de fera louca pra cair de boca na presa? É o que eles fazem com a gente – nós, os atores de TV.
Eu não sei porque ela insiste em falar de si no masculino plural, e faço cara de Viaduto do Chá.
– Claro que tem aqueles que disfarçam, mas esses são ainda piores. Eles olham pra gente quando a gente não está percebendo, e tiram conclusões mais equivocadas ainda. Chato por chato, eu prefiro os sinceros.
Começo a achá-la, definitivamente, chata e insincera.
– Ok. Quer dizer então que você não vai, que eu posso chamar a P. F.?
– Calma. Também não é assim. Deixa eu pensar um pouco. Eu sei que eu preciso trabalhar melhor essa questão da fama. Eu lutei anos pra chegar nesse lugar, e agora que a Katrina vilã me catapultou pra galeria dos personagens inesquecíveis da televisão brasileira, eu fiquei refém disso: impossibilitada de me divertir, obrigada a viver numa bolha. Você tem ideia de quantas pessoas vão estar lá? Só pra eu ter uma estimativa.
Finjo que a bateria arriou e desligo.
– Alô, T.T.?
Rodrigo Murat é escritor e escreve no blog rodrigomurat.wordpress.com