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JOGO DOS SETE ERROS

JOGO DOS SETE ERROS

JOGO 1 ou A CULPA É DA PERUCA

Bárbara Pastana mora em Belém e adotou um menino, atualmente com 7 anos. No dia 3 de abril, postou numa rede social vídeo do filho usando peruca e, para justificar o fato dele estar chorando, escreveu: “kkkkk ele fica louco quando quero pentear minhas perucas e uso a cabeça dele como molde kkkkkkk”. O vídeo motivou pedido de denúncia ao Ministério Público e ao Conselho Tutelar e Bárbara perdeu a guarda da criança. Magoada com o desdobramento do episódio, Bárbara alegou tratar-se de uma brincadeira em família. Não querendo meter o bedelho e já metendo: precisava postar? Por que as pessoas precisam tanto da aprovação alheia? Se era uma brincadeira em família, para que compartilhar com os seguidores e, de quebra, atiçar a fúria dos haters? Os haters estão aí para desentender, têm pensamentos curtos, e acreditam realmente que uma peruca seja capaz de levar alguém ao homossexualismo, como se sexo fosse uma matéria e pudesse ser ensinada.

JOGO 2 ou PAPAI, ME EMPRESTA O CARGO

O duelo verbal assistido semana passada no anfiteatro da CPI da COVID entre o Relator Farroupilha e o Senador Andrajoso me trouxe de volta, por caminhos tortos, o roquezinho maroto de Rita Lee – papai me empresta o carro/estou precisando dele/pra levar minha garota ao cinema. Já que a discussão do dia era o atraso na contratação das vacinas, foi uma ardilosa decisão do Andrajoso inculpar o Farroupilha de ficar de blábláblá enquanto milhões de brasileiros esperam o dia D e a hora H da picada. Fim da picada: apropriar-se do debate e colocar-se favorável a ele, como se errado fosse o outro. E o xingamento – vagabundo! – nem é tão vexatório assim. Caetano Veloso mesmo tem uma música chamada “Coração Vagabundo”, que devolve ao adjetivo uma certa aura ingênua. Ou seja, enquanto a caravana passa, os vagabundos ladram.

JOGO 3 ou O TOMATE É AZUL

O problema não é o outro pensar diferente de mim. Se, por exemplo, a minha fruta predileta for tomate, e outro a odiar, legítimo. O problema é o outro querer me convencer de que tomates são azuis. A política está cheia de tomates, e é impressionante como há os que teimam em enxergá-los azuis, querendo nos convencer do fenômeno. Não tem jeito. Melhor falar de berinjelas. Para essa turma negacionista, que se julga acima da verdade mentirosa dos livros, os tomates serão sempre azuis. Eles estão fundeados no que pensam, e para não se sentirem sós, agrupam-se em seitas que os corroboram.

JOGO 4 ou VAI TRABALHAR, MARMANJO

O Sectário de Cultura declarou, no seu ufanismo rancoroso, que o dinheiro que sai do meu, do seu, do nosso bolso de cidadão honesto cumpridor de deveres não pode ser dado de mão beijada para “marmanjo”. O Brasil, na visão desse Revisionista Impoluto, está cheio de marmanjos que se locupletaram por décadas, e agora é hora de calá-los. (Joga bosta na Geni!) Um que virou figurinha fácil no imaginário popular como exemplo de “marmanjo” é um exímio compositor da música popular brasileira que incomoda pelo fato de ser rico e defender pobre – com perdão dos estereótipos. O que eu acho incrível é como o Brasil está cheio de doutores: doutores em Bolsa Família, doutores em Leis de Incentivo, doutores em Direitos Humanos; todo mundo entende tudo de tudo e adapta Descartes a seu bel-prazer: penso, logo sei.

JOGO 5 ou A HORA H DO DIA D

Enfim, esta semana vai ser a Semana S do ex-ministro fanfarrão sentar-se no banco da CPI para fazer a frase “um manda, o outro obedece” transformar-se em algo do tipo “se aqui nevasse, usava esqui”. “Não foi bem isso o que eu quis dizer” é o mote desse governo de mentirinha, onde generais e subalternos brincam de forte apache, tentando eliminar os índios. Fico imaginando a ginástica mental que os seguidores desta seita rasa têm de fazer para continuar apoiando. Alguém que passou o ano falando em gripezinha, mimimi, jacaré, mostrando ema pra cloroquina e mandando eleitor comprar vacina na casa da mãe, como pode agora querer dar um cavalo-de-pau no discurso e querer convencer que não comprou vacina porque estava preocupado com a eficácia da mesma? Nada disso importa. Aos contorcionistas ideológicos, sempre haverá uma última volta.

JOGO 6 ou A BANALIDADE DA MORTE

Sábado, um sujeito foi reclamar do barulho de uma festa na vizinhança que atrapalhava o sono de sua filha de 5 anos e voltou pra casa com um tiro na cabeça. Lemos essa notícia como se lêssemos que vai chover amanhã ou que pêssego é bom pra pele. Tudo ganha a mesma matéria empastelada. Falo com uma amiga e ela diz que é tanta morte, que não conseguiu sentir a do prefeito Covas. Como ser diferente? Se a cada notícia ruim, nos prostrarmos de joelhos diante da TV, não levantamos mais. Há os que acreditam que a indignação está ao alcance do mouse e fazem comícios diários no Facebook. Eu ainda não encontrei um jeito de me indignar, e acho que todos esses dizeres do tipo “não dá mais, chega, basta, até quando” soam como bolas de sabão. Mas talvez seja preciso seguir dizendo, porque calar também não há de contribuir com a ágora.

JOGO 7 ou LUTO CURTIDO

Volto às redes sociais e ao espanto com a quantidade e a qualidade do que se posta. Domingo, o cantor Mc Kevin, de 23 anos, morreu ao pular da janela do décimo-primeiro andar do hotel em que estava hospedado, supostamente com o objetivo de dar um mergulho na piscina. Não se sabe ainda se o que o motivou foi excesso de álcool ou de vida. Ao saber da tragédia, sua esposa foi para o Instagram, colocou uma foto do casamento e o texto: “Você é e sempre será o amor da minha vida, o amor mais lindo que tive, o homem que mais me amou e me admirou. Vai com Deus meu menino. Eu sempre vou te amar.” Ninguém consegue sentir mais nada só. É preciso ter o aval dos seguidores. Vida interior sem like não tem graça.

Texto: Rodrigo Murat é escritor

Imagem de Patrick JL Laso por Pixabay

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