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O AMOR É UM FILME BOM

Fui ver o filme da Letrux e fiquei encantado de ver como uma menina igual a tantas fazendo dancinha com as primas nas salinas da Região dos Lagos pode se transformar nesse mulherão louro de dois metros dona de uma música personalíssima, de voz rascante e chorada. Misto de Maysa com Madonna, cheia de dor e swing.

A primeira vez que a ouvi estava em São Paulo para participar do “Persona em Foco” como um dos entrevistadores do episódio dedicado à atriz e cantora Zezé Motta, de quem escrevi a biografia. Na época, o programa dominical da TV Cultura ainda era com plateia e o apresentador Atílio Bari – ainda hoje no comando da atração – conduzia equipe e convidados como um simpático maestro regendo orquestra com seus longos braços e seu sorriso amplo. Fiquei num hotel em Perdizes em frente à PUC, e de noite, quando cheguei da gravação, fui para o último andar do prédio onde havia o espaço fitness com sauna e de lá – observando do terraço a noite iluminada em seu colar de luzes – pus pra tocar no celular “Vai Render” do álbum “Letrux Em Noite de Climão”: “Avisa pra geral/Que eu tô a perigo/Fugi do castigo/Andei sequelada/Não sei de mais nada”. Eu estava viciado na canção e não parava de ouvir.
Na mesma noite – 23 de setembro de 2019 – a alguns bairros de mim no Auditório Ibirapuera, Letrux gravava o seu primeiro DVD com repertório tirado do seu primeiro álbum com participação da cantora Marina Lima.

Letrux é Letícia Pinheiro de Novaes, carioca da Tijuca, 41 anos, atriz, escritora, cantora e compositora meio fada, meio bruxa com um pezinho em Marte. Em 13 de março de 2020, ela lançou o seu segundo álbum “Aos Prantos”. De manhã, foi à praia dar um mergulho para se energizar como na letra da canção “Coisa Banho de Mar”: “Eu vou nadar/Pelada no mar/Água nas partes/Fugir dos desastres/Virar sereia/Te sequestrar/Morrer com você/No fundo do mar”. Ao chegar em casa, a cidade começava a se fechar por conta do início da pandemia de Covid-19. Letícia então colocou suas tralhas num guarda-móveis, desalugou o apartamento de Copacabana e foi para casa da família em São Pedro da Aldeia, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro, onde passava, as suas férias adolescentes de verão.

O documentário – que se chama “Viver é um Frenesi”, dirigido por Márcio Debelian e com duração aproximada de 45 minutos – fala sobre esse período de interregno pelo qual todos passamos, individualizando-o na figura da artista e se utilizando, entre outras joias, de imagens caseiras feitas por um tio na tal casa de veraneio nos anos 90. Nas imagens granuladas emulando o tempo vintage podemos ver Letícia jovem, meniníssima, brincando com as primas, comendo linguiça num churrasco e acenando pra câmera descabelada e salgada de mar como que preparando, inconscientemente, esse material ingênuo pro futuro famoso.

Letícia canta em sua obra autoral o amor de um jeito ambíguo, ciente de que toda alegria vem carregada com as tintas da melancolia, e seus versos, bifurcados, apontam para esse caminho dual: “Lance livre imaginário/A gente só serviu no sonho/A gente só prestou dormindo”; “Até o amor ser bom ele é tão ruim”; “Se tu tá acordada 5 horas da manhã/Significa que tu tá apaixonada ou que tu tá sozinha”; “Entra mas não fica à vontade porque eu não tô”; “Eu só queria dormir e acabei me apaixonando/Eu só queria me apaixonar/E acabei dormindo”; “Delirei, achei que te vi em Copacabana/Não era você/Melhor assim/Não quero engasgar”; “Você ficou cínico com o tempo/Eu fiquei espiritualizada/Acreditando em carta, sonho e passe”; “Cuidado, meu bem/Paixão é raio que ilumina um segundo/Depois volta o breu”; “Me confundi/quando você disse tchau/entendi te amo”; “Acordei bem mas o país não colabora”; “Não fui acostumada com terremoto/Eu me abalo muito”; “Eu tô cheia de questão/não vou dar mole pra esse vão”; “Morrer é passear/Quem já foi pode estar vendo a gente aqui”; “Se a gente morre e se encontra em outro canto/esse filme que passou foi bom”.

Já vi vários shows dela. Um, em especial, marcou. Finzinho de 2019. A cidade já gritando de calor, num domingo ultra abafado despenquei para Barra da Tijuca, cheguei lá completamente suado, e me deparei com uma plateia seleta de fãs que sabiam as letras de cor e cantavam junto. Devíamos ser uns oitenta. O show aconteceu dentro de um evento de moda. Parecia uma festa de casamento, com gente refestelada em sofá e pufe num ambiente lounge e outras – como eu – em pé, dançando e cantando junto. Deu pra ver bem de perto. E reparar em cada detalhe da interpretação. Sua máscara facial e seu corpo longilíneo à serviço da sinuosidade das canções.

A pandemia passou e Letrux continua. Em abril faz show no Circo Voador. Quero ver se vou. Por ora, componho esses versinhos metidos a letra de canção inspirado no seu modo gauche de escrever: “Te amei demais/Até pirei/Depois passou/Será que eu tava só no lance?/Talvez/Quando olhei pro lado, não te vi/Tchau e benção”.

Rodrigo Murat é escritor

Imagem: Ana Alexandrino/Divulgação

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