O AMOR NOS TEMPOS DA GUERRA
Reza o ditado que em briga de marido e mulher não se mete a colher. No entanto, garfo e faca têm sido usados sem cerimônia para destrinchar a intimidade dos pares. No novo filme de Todd Haynes – “Segredos de um Escândalo”, previsto para estrear no Brasil em janeiro – destrincha-se, em banquete de glutões, o rumoroso caso de amor entre Mary Kay Letourneau, uma professora do estado de Washington de 34 anos com um de seus alunos, de 12. Em 1996, o affair tomou conta dos tablóides, chocando os lares anglo-saxões e os corações empedernidos. A indecente docente engravidou, foi presa e, depois de cumprir pena, ficou 14 anos casada com a vítima.
Já de Toritama, Pernambuco, viralizou o vídeo de um policial fardado, à saída de uma escola, pedindo uma jovem estudante de 15 anos em noivado com direito a anel, buquê e beijão. Foi aberto um Procedimento Administrativo Disciplinar contra o oficial, que é terceiro-sargento e atua no BEPI – Batalhão Especializado em Policiamento do Interior. Por lei, no Brasil, um relacionamento com uma pessoa de até 14 anos é considerado estupro de vulnerável, e o casamento só é permitido acima dos dezesseis anos e com autorização dos responsáveis.
Internautas indignados não só meteram a colher, como o destrincharam à faca. Tudo bem que ambos os casos são raros de se ver, mas o que é que os outros têm a ver com as calças? Os moralistas de plantão – sempre de orelha em pé – irão dizer que é preciso agir em conjunto para que tais aberrações sejam interrompidas.
Vai que é com a minha filha, com o meu filho! Vai que a moda pega e se perca o controle! Para essas mentes, é preciso manter a humanidade na rédea curta para que o mal não se multiplique e venha dar à porta.
As pessoas gostam de ter opinião sobre tudo e se sentem confortáveis em se agarrar a argumentos, ainda que sob risco de morrerem afogadas com eles. Eu prefiro deixar que a dúvida comande. Não sou senhor da razão. Não guio direito sequer meus próprios passos; quem sou eu para saber o que a professora e o militar fizeram de errado ou certo? Claro que se eu fosse pai ou mãe de um dos envolvidos, estaria, por força, enredado na trama; mas, em não sendo, eu vou querer dar pitaco?
A ágora da internet não dá trégua. A parcela ruidosa acha irresistível atirar a tal pedrinha do pitaco para ver quantos círculos concêntricos se formam. Eu já sou da opinião de deixar a água parada para que ela mesma se mova e crie seus desenhos.
E todos esses assuntos parecem fúteis quando uma guerra se agiganta. Há também tantos especialistas na questão palestina, que eu me sinto um ignorante crasso. Há séculos de história que as pessoas querem entender num minuto e,
como num campeonato, torcer por um time. Ao enviar mensagem a uma amiga sobre um dos bombardeios, tive como resposta: “Ai, que susto, achei que tivesse sido em Israel!” Mais adiante, acrescentou: “Não tenho paciência para debater o assunto. Só dá para conversar com quem tem parente na guerra ou acompanha este assunto há mais de trinta e cinco anos.” É o caso dela: tem parentes próximos ao cenário da guerra e parece saber a verdade profunda dos fatos.
O problema é que contra um corpo ensanguentado, qualquer verdade cai por terra. Mas pode ser que eu esteja errado, e isso não me deixa mais inseguro do que ter uma opinião firmada. Torço pela paz – ainda que ciente que esse é um ideal ingênuo perante a força bruta da rolagem dos acontecimentos.
Rodrigo Murat é escritor
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