O FUTURO ESTÁ NOS OVOS
Antes de mais nada, devo admitir que entendo pouco de política. Quando jovem, achava que quando amadurecesse, migraria dos cadernos de cultura para as primeiras páginas dos jornais, mas isso de fato só veio a acontecer no ano passado, quando, em meio ao caos da pandemia, o governo transformou-se num enredo inarredável.
Nunca fui politizado. No dia da votação da emenda Dante de Oliveira, nos 80, enquanto meus amigos seguiam para o ato cívico na Cinelândia, eu fui ao cinema. Nos 70, ao invés de pegar em armas, ficava na frente da TV assistindo “Vila Sésamo” e “Cuca Legal”. Tudo bem, eu tinha só 7 anos, sabia quem era Yoná Magalhães e não fazia a menor ideia de quem fosse Marighela. Agora sei os nomes de todos os ministros. Troquei Chay Suede por Ricardo Lewandowski.
Acredito que esse interesse tardio advenha do fato desse governo me parecer uma obra de ficção – quadro de Picasso, peça de Ionesco ou fábula de Esopo com todos os vícios morais expostos. Pena que haja tantos mortos reais para me fazer lembrar que é verdade.
A sensação que tenho é de que estudei com o Flávio, com o Eduardo, com o Carlos, com o Jair Renan. Eles me lembram os loiros ricos retratados no “Tonio Kröger” do Thomas Mann. Uma gente por cima da carne seca que hostiliza os que com eles não se parecem, e que os testam em seus limites. Na escola, esse jogo de gato-e-rato é rapidamente aprendido. Uma espécie de cartilha de sobrevivência em que meninos alfa sobem ao pódio levando consigo os betas para infernizar a vida dos gamas. Sofri muito bullying, mas não poderia imaginar que um dia sofreria do presidente.
Depois de ser taxado de “maricas”, esta semana ele me chamou de “idiota”. Como se não bastasse, numa dessas lives de quinta, ele arfou como um cachorrinho imitando um paciente sem ar. Isso é novo: debochar de quem precisa de oxigênio como se fosse uma desmunhecada do caráter eu nunca tinha visto.
Um senador falastrão justificou o presidente chamando seu temperamento de “autêntico”. Quanto aos depoentes da CPI, o mesmo não pode ser aplicado. Parecem um bando de meninos baderneiros que foram pegos em flagrante pelo inspetor durão. Omar Aziz está muito bem no papel de Inspetor Durão. Tem o physique du rôle: voz grave, olhar iracundo, ombros curvados como se carregasse às costas a perplexidade do mundo. E quando Randolfe Rodrigues, fazendo o Bedel, pega o microfone, tudo vibra como asa de borboleta elétrica.
Esta semana tivemos o Chanceler Gaguejante e o General Emponderado. Enquanto o primeiro só faltou confessar que ama a China acima de todas as coisas, o segundo pegou os limões que lhe atiraram e fez uma caipirinha. Bem, é preciso ser coerente. Um tipo que aceita ser Ministro da Saúde no meio de uma pandemia sem ser médico e sem saber direito sequer o que é SUS, não tem porque fraquejar diante de uma meia dúzia de desbocados. Esse é um governo de homens-beta teleguiados por um MITO. MITOS não falham. MITOS não titubeiam. MITOS estão acima do bem e do mal.
Talvez no futuro seja interessante tentar-se um governo de ROBÔS. Depois de HOMENS e MITOS, uma terceira via faz-se auspiciosa.
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“O Futuro Está nos Ovos” é o nome de uma peça de Eugène Ionesco escrita em 1957.
Texto: Rodrigo Murat é escritor
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