O PODER DO LIKE
Difícil começar o dia – e a coluna – com o tanto de notícia ruim que nos cai sobre a cabeça nesta segunda-feira de chuva. A jovem psicóloga morta durante o show de sexta e o igualmente jovem médico assaltado e esfaqueado em
Copacabana por um nóia delirando de droga e calor. As dores urbanas erigidas do asfalto pelando de quente. O que deveria ser prazer, desfrute, Taylor Swift e pulseirinhas, transforma-se num mar de drama. Isso sem falar na eleição desastrosa do Milei, e na guerra, que continua – para gáudio da indústria bélica – com bebês recém-nascidos e já quase mortos, e feridos operados sem anestesia em hospitais caindo aos pedaços. Diante de tal quadro, duas possibilidades: sucumbir – o que nem sempre é fácil, já que a máquina de viver está sempre pedindo para ser
alimentada – ou apertar o botão do foda-se, que é o que acabamos fazendo. Toda sensação de felicidade é uma espécie de alienação. Só é possível ir adiante toldando os fatos.
Tinha pensado em escrever sobre o poder do like. Talvez o faça ainda, depois de conseguir espantar as moscas dos cadáveres. Diante deles, qualquer tema me parece infantil e fútil. Assistimos ao show de horrores e vamos ao shopping curtir a Black Friday. Solidarizamo-nos com as vítimas, pedimos um capuccino e rimos.
Como ser diferente? Só essa pergunta já me joga na cova rasa da alienação. A minha máquina de viver é insaciável.
Vamos ao tema proposto, depois do pedido de desculpas por não conseguir enxergar uma terceira via que não seja sucumbir ou apertar o botão.
O PODER DO LIKE
Tenho a impressão de que as redes sociais acirram em mim características não muito positivas. O jogo do toma-lá-dá-cá, tão intrínseco à manutenção da convivência, parece-me aperfeiçoado. Não me sinto à vontade para postar porque a
iniciativa me soa sempre como um pedido de “me ame”. Agora que viramos garotos e garotas-propagandas do nosso produto – nossa vida – me sinto como um desses homens-sanduíche na porta dos mercados pregando:
“Olha eu parcelado em doze vezes!”
“A minha viagem de final de semana a preço módico de 148 likes!”
“O meu camarão na moranga ou a sua curtida de volta!”
“Quem dá mais?”
“Quer meu estado civil, madame?”
“Ô, patrão, vai um nudezinho aí?”
Tudo na contramão dessas dicas místicas que pregam que a felicidade está dentro de nós e que é para lá que devemos nos voltar. Bem, talvez seja possível tentar o caminho do meio.
(Onde?)
Eu ando numa preguiça danada de dar like. Folheio as páginas do Instagram, vejo amigos e desconhecidos pedindo coração vermelho, e, finalmente, quando o dou, me sinto um Lulu Santos virando a poltrona no “The Voice”. Uma concessão enorme de um ego imenso. Um rei aceitando um súdito. Ou seja, um babaca. Mas sair das redes é o jeito? Não porque me divirto à beça e a minha máquina de viver pede migalha de recompensa.
Gostaria de não racionalizar tanto. Ser essa pessoa generosa que compartilha tudo – almoços, viagens, vitórias, lutos, camarões na moranga – e também curtir na mesma proporção, num jogo simples e honesto. E daí que viver
seja tomar lá e dar cá? Qual o problema de se levar na brincadeira o jogo?
Acho que sou capricorniano demais. Ou mau-humorado. Embora viva às gargalhadas. Deve ser alienação de resultado.
Enfim, cada um no seu papel. Se eu não estivesse nesse, estaria em outro. Ninguém escapa de ser alguma coisa – em alguma medida, desfavorável aos demais.
Rodrigo Muraty é escritor
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