OS ANTI-PRESIDENTES
É sempre perturbador constatar que pessoas possam defender ideias que nos são tão pouco caras – para não dizer insuportáveis. É preciso que nos agarremos a pensamentos-combo do tipo “eu desaprovo o que dizeis mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-lo”, atribuída à escritora e biógrafa de Voltaire Evelyn Beatrice Hall, para que possamos manter a soberania do diálogo que, de outra forma, descambaria ladeira abaixo, que é para onde tem ido a maioria. Muitos não se dão conta de que insultar aquele que insultou em primeiro lugar é manter a corda do insulto esticada e igualar-se ao outro em desrazão. Fazem-no porque acham divertido; porque têm dentro de si doses suficientes de ódio acumulado esperando a hora de dizerem a que veio. Recentemente, uma cantora da MPB foi dizer o que pensa – uma asneira rebuscada sobre a pandemia – e, como retaliação, foi chamada dos piores nomes: sua velha, sua bruxa, sua esticada, sua decadente, sua burra. Isso porque os arautos da intelligentsia se acham no direito de corrigir ignorância com ignomínia. Bem, é possível mesmo que o avanço dos costumes não se dê com amabilidades, e, em todo caso, antes saliva do que pólvora.
DT e JB – vou poupá-los dos nomes por extenso para pairar acima do chão da realidade e soar um pouco menos déjàlu (já lido) – são duas figuras inglórias que colocam em cheque os conceitos de bem-estar social e de res publica. Amigo meu acredita que todo aquele que os endossa é forçosamente um vil, um torpe, um canalha, mas eu discordo. Tem também os Ingênuos, os Equivocados, os Anacoretas – e os Vis e os Torpes e os Canalhas, claro – e sobre eles não há o que se fazer, a não ser reconhecer-lhes a existência e albergá-los no coração do mundo, que é onde nós também reivindicamos estar. Nós, os Índios; nós, os Negros; nós, os Candomblecistas; nós, os LGBTQIA+; nós, os Inomináveis.
Se o mundo fosse uma instituição de ensino, as claques apoiadoras desses espantalhos de terno e guarda-pó estariam sentadas nas carteiras do fundo contestando a autoridade docente e atirando gaivotinhas de papel nos alunos comportados – a turma dos Direitos Humanos –, invariavelmente submetidos ao mais antipatriótico bullying.
“Seu comunista! Seu pedófilo! Seu marica!”
DT e JB – machos-alfa da malta – personificam os anti-professores – aqueles que odeiam as matérias e pisam sobre cadernos e livros, liberando os Rancorosos pra badernar geral. Na aula de Geografia, incitam: “Que tal incendiar a Amazônia?” Na de Biologia: “Máscara pra que? Vacina pra que? Vai todo mudo pro buraco, cara-pálida! Isolada ficava a sua avó!” Na de Ciência Política: “Bora invadir o Capitólio?” E na de História apagam o que não lhes interessa, refundando nações com ideais oligárquicos tirados de um passado supostamente idílico onde Deus reinava acima de todos, e tudo estava como na bandeira: com ordem, progresso e estrelinhas.
E aqui vale resgatar o conceito de “duplipensamento” criado por George Orwell em seu “1984” que, escrito em 1948, diz muito sobre hoje:
“Duplipensamento significa a capacidade de abrigar simultaneamente na cabeça duas crenças contraditórias e acreditar em ambas. (…) Dizer mentiras deliberadas e ao mesmo tempo acreditar genuinamente nelas; esquecer qualquer fato que tiver se tornado inconveniente e depois, quando ele se tornar de novo necessário, retirá-lo do esquecimento somente pelo período exigido pelas circunstâncias; negar a existência da realidade objetiva e ao mesmo tempo tomar conhecimento da realidade que negamos;” (“1984”, George Orwell, tradução de Alexandre Hubner e Heloísa Jahn)
DT E JB não parecem políticos – dentro do duplipensamento do que seria a política na prática. São sincerões; dizem o que pensam; não pensam no que dizem; corrigem depois ou nem isso. Duplipensam. Não governam, meta-governam, preocupados não com os problemas de hoje, mas com a perpetuação do poder no amanhã. Sabem que estão desidratados, que perderam todo o viço e agora não são mais do que dois bonecos de cera do museu de Madame Tussauds. Ainda assim, como hienas, riem; como emas, grasnam. A História há de superá-los, mas o eco de seus gritos continuará reverberando em novas gargantas furiosas nesta eterna e ferrenha luta entre o bem e o mal – essas duas palavrinhas gastas que fazem a vida parecer um mexerico de La Fontaine com moral embutida.
Rodrigo Murat é escritor
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