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OS STRULDBRUGS NÃO MORREM JAMAIS

OS STRULDBRUGS NÃO MORREM JAMAIS

Os struldbrugs vivem na ilha de Luggnagg e são criaturas imortais. Nascem com uma pinta vermelha na testa, que vai mudando de cor ao longo da vida – se é que dá pra chamar de vida uma coisa que não finda – e saíram da mente brilhante de Jonathan Swift. Nascido em 1667 em Dublin, Swift é autor do ensaio de belo título “Modesta Proposta Para Impedir Que Os Filhos dos Pobres na Irlanda Pesem Sobre os Seus Pais ou Sobre o País, Tornando-os Úteis ao Público”.

Os struldbrugs aparecem na quarta parte de “As Viagens de Gulliver”, escrito em 1726, e até hoje pairando como um dos pilares da literatura mundial. Sobre Luggnagg, o autor esclarece:

Nação feliz, que se extasia em tantos exemplos vivos da virtude antiga, e tem mestres prontos a instrui-lo na sabedoria de todos os séculos passados! Incomparavelmente mais felizes, porém, são esses excelentes struldbrugs que, isentos da calamidade universal da natureza humana ao nascer, têm livre e despeado o espírito, sem o peso e o desalento provocado pela contínua apreensão da morte.

Em texto de 1887, Rui Barbosa aponta:

Não é exato que ele, Swift, quisesse desfear e vilipendiar a ideia de imortalidade. (…) Os strudlbrugs, que Gulliver encontra na ilha de Luggnagg, representam, não a imortalidade do espírito, mas a caducidade da velhice humana. Esmagado sob o desmoronamento de todas as suas ilusões, rodeado pelos túmulos de quase todos os seus amigos, oprimido sob o peso de uma decadência que ele sentia ameaçar-lhe o órgão da razão, Swift via nos cabelos brancos uma coroa de miséria e na última idade da vida a maior de todas as nossas agonias.

A imortalidade é um tema caro aos nossos pensamentos. Pano de fundo de toda e qualquer ideia, pressentir-se fora desse esquema já conhecido, e de certa forma decifrado, que é o estar vivo, assusta e nos priva de sentido. Preencher um buraco com uma ideologia, ser no lugar do não-ser – esta é a questão. E dá-lhe Nietzsche, Kant, Kardec.

O próprio passar do tempo, que deveria ser leve por seu caráter lento e imperceptível, nos enche de medo e remorso, e não é incomum que terminemos o dia com vontade de querer voltar atrás e retocar aqui e ali o que para sempre estará inalterado. O destino fixa-se no passado como projeção ao futuro.

Talvez por isso se fotografe tanto – uma maneira de duplicar o instante, tentativa vã de reter o fluxo dos acontecimentos. Tudo é digno de registro: a lua cheia, o arco-íris, gaivotas na areia disputando um peixe. A tecnologia possibilitou esse drive B para que nos salvemos fora da caixa.

Há uma antiga canção que não envelhece – “Forever Young”, do grupo alemão Alphaville – que diz: “Você realmente quer viver eternamente?/Cedo ou tarde eles irão partir/Por que eles não permanecem jovens?/É tão difícil ficar velho sem um motivo/eu não quero perecer como um cavalo moribundo/a juventude é um diamante ao sol e diamantes são eternos.

Não é alta literatura, mas como bijuteria pop funciona. Liguemos o karaokê. Viver distrai e espanta.

Texto: Rodrigo Murat é escritor

Imagem de 政徳 吉田 por Pixabay

Agência Difusão

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