Paulo Cezar, durante minha infância e adolescência, era aquele tio superlegal. Falava a minha língua, defendia as aventuras e acalmava as preocupações de minha mãe. Lembro, aos 8 anos, quando fui assistir à sessão de estreia do seu filme “Anchieta, José do Brasil” (1977).
A sala era daquelas enormes e o cinema estava lotado. Eu e minha irmã nos sentamos no chão e ficamos muito próximas da tela. Tempos depois, já crescida, fui trabalhar com ele no seu filme “O Viajante” (1998) e não mais nos separamos.
Duas referências são fundamentais do início da carreira do Saraceni que o acompanharam durante toda a vida: Octávio de Faria e Paulo Emílio Sales Gomes. Octávio, ele conheceu quando jogava futebol no Fluminense, time do coração. As conversas, no entanto, ultrapassam as linhas do campo, como asas para sonhar mais além.
Paulo Cezar nos contou como o cinema surgiu em sua vida. Em uma linda carta/depoimento para Octávio desvendou-se a admiração eterna entre os dois grandes amigos. Um cartão postal recebido de Octávio de Faria, de Paris, em 1957, foi um chamado para abrir a janela do mundo intelectual, cultural e artístico da Europa.
Paulo Emílio Sales Gomes apresentou ao Paulo Cezar o primeiro festival internacional de cinema do Brasil, em São Paulo no ano de 1954. A revelação deste acontecimento foi um marco definitivo. Com Francisco Luiz de Almeida Salles e Rudá de Andrade, dois amigos também importantes na vida do cineasta, Paulo Emílio possibilitou que a semente da arte cinematográfica entrasse no coração para trazer logo em seguida os primeiros entre tantos frutos.
Paulo Cezar de “bailarino jogador” descobre o movimento das imagens e leva para a tela algumas delas invocando o universo para celebrar as paixões. O jogador de futebol agora é também poeta.
“Arraial do Cabo” (1959) sua primeira obra que se tem conhecimento, pois antes ele fez um curta chamado “Caminhos” (1958) que se perdeu no caminho, é marco do “cinema novo”. Paulo Cezar Saraceni e Mário Carneiro, mestres do cinema e do afeto, tiveram uma parceria duradoura.
Enquanto o primeiro bailava na orquestra em que era o maestro, o segundo pincelava com mãos de puro artista, conduzindo assim, os dois, seus aprendizes e a história que se transformava em cinema. A sinfonia estava perfeita. Assim eram feitos seus filmes, nas minhas lembranças, que mudaram para sempre, minha maneira de ver o mundo.
“Porto das Caixas” é o primeiro longa metragem de Paulo Cezar, de 1962 e também o primeiro filme após sua temporada em Roma. O filme, razão da volta de Roma, seria em princípio “A Casa Assassinada”, adaptação da obra do escritor Lúcio Cardoso, porém, foi realizado 10 anos depois.
No lugar, nasceu Porto das Caixas, um filme forte, que recebeu uma importante análise de Paulo Emílio, em artigo publicado no Suplemento Literário do jornal O Estado de São Paulo, no qual reflete sobre a natureza da personagem vivida por Irma Alvarez. (Vol 2, pág 414).
Em 1964, filma “O Desafio”, definitivo para o movimento Cinema Novo. Intimista, existencialista, urgente e necessário, “O Desafio” causou um impacto muito forte em sua época e se destaca pelos trabalhos de câmera de Dib Lufti e Guido Cosulich.
Em 68, a adaptação de Dom Casmurro, de Machado de Assis, com roteiro de Paulo Emílio Sales Gomes e Lygia Fagundes Telles, surge o filme “Capitu” e dá início a fase das adaptações literárias para o cinema do autor. Assim, vem finalmente “A Casa Assassinada” (1971), “Ao Sul do Meu Corpo” (1981), “O Viajante” (1998), “O Gerente” (2011).
Considero importante frisar também sua paixão pelo popular.
Paulo Cezar vivia intensamente o futebol, o carnaval, a música, os bares cariocas. Dessas paixões, três filmes: “Amor, Carnaval e Sonhos” (1972), “Natal da Portela” (1988) e ‘Banda de Ipanema – A Folia de Albino” (2002),
além de dirigir com Leon Hirszman com a bela montagem de Maria Elisa, o filme “Bahia de todos os Sambas” (1996).
Ainda é relevante mencionar os curtas e médias de Paulo Cezar. São muitos e completam a obra do autor. “Integração Racial” (1964), “Torquato Neto” (1969), “Nosso Senhor Oxalá” (1972), “ Encontro das Águas” (1973), “Cinema, como é e como se faz” (1974), “Laço de Fita”(1976),“Casimiro de Abreu” (1976), ”Quadro a Quadro com Newton Cavalcanti” (1984), “Arcanjo Vingador” (1979).
Sua obra está guardada na Cinemateca do MAM, no CTAV, no Arquivo Nacional e na Cinemateca Brasileira. Nesta última, espero que se esforcem e reconheçam a fundamental importância de preservar a memória do Cinema Brasileiro que é também a memória das imagens do Brasil.
Renata Saraceni (produtora, cineasta e sobrinha de Paulo Cezar Saraceni)
ACESSE: CINEMA MUNDO
A cineasta Renata Saraceni gentilmente disponibilizou o link para o seu filme “Saudade”. Nele estão contidas as cartas da família para Paulo Cezar Saraceni quando estava em Roma.
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