a
© 1999-2022 Agência Difusão.
HomeArtigosPOR UM MOMENTO DE SONHO

POR UM MOMENTO DE SONHO

Orfeu Negro

POR UM MOMENTO DE SONHO

A Música, o Luzeiro e o Tempo – por Mirianês Zabot

Num 9 de julho, há 40 anos, Vinicius de Moraes nos deixava. Sua obra, no entanto permanece através do tempo. Ela corre mundo, alimentando nossa sensibilidade, mostrando que ainda somos, e sempre seremos, capazes de amar.

Baseado na peça teatral “Orfeu da Conceição” de Vinicius de Moraes, o filme “Orfeu Negro”, lançado em 1959, tem direção do francês Marcel Camus e trilha sonora assinada por Tom Jobim e Luiz Bonfá. Reconhecido internacionalmente, o longa faturou um Oscar e uma Palma de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, tornando-se referência para a produção cinematográfica brasileira. Nos lembrando da grandeza da obra do Poetinha.

A peça “Orfeu da Conceição”, lançada três anos antes do filme, é de fundamental importância para a nossa música, pois marca o encontro de Tom e Vinicius, que deu origem ao que se tornaria a Bossa Nova, um dos mais importantes movimentos musicais brasileiros. Além das formidáveis canções da dupla, o convite, feito pelo já consagrado poeta e diplomata Vinicius de Moraes, para que juntos compusessem a trilha musical do espetáculo, rendeu aquela famosa frase dita pelo jovem Jobim: “Tem um dinheirinho nisso aí?”, mal sabia ele que tal parceria lhes renderia projeção mundial e garantiria um lugar de prestígio na história.

“Orfeu Negro” é um filme delicado, cheio de poesia e simbologia. Sua trilha fundo se entrelaça com os sons da cidade. Uma música desliza harmoniosamente para outra música, ou para o afinado apito do navio que chegou ao cais da Cidade Maravilhosa, em pleno carnaval, trazendo a bordo a terna Eurídice, que chegara do sertão nordestino. Por meio de uma sinfonia carioca ou, melhor dizendo: um samba de enredo, o maestro soberano Tom Jobim, ao lado do não menos admirável Luiz Bonfá, nos apresentam a esse inebriante cenário.

Sambas, frevos, batucadas, feiras livres e o tradicional bondinho, dão o tom das festividades carnavalescas. O lúdico toma conta daqueles dias. Até mesmo um homem pobre, com suas vestes puídas, sai da loja de penhores com sua fantasia de rei, sentindo-se como tal, pelo menos enquanto durar o carnaval.

O envolvente “Frevo de Orfeu”, de Vinicius em parceria com Tom, nos apresenta ao sedutor protagonista, Orfeu, músico e morador do morro. O positivo samba “O Nosso Amor”, dos mesmos compositores, aponta o desejo de que essa contagiante felicidade perdure.

Na voz de Agostinho dos Santos, o lirismo do samba “A Felicidade”, de Vinicius e Tom, já nas primeiras cenas do filme, nos alerta para o quanto a felicidade pode ser efêmera, a exemplo da euforia do carnaval, que fatalmente acaba na quarta-feira de cinzas. É um suave anúncio do desenrolar desse enredo, que é um convite para pensarmos sobre a brevidade da vida.

“A minha felicidade está sonhando Nos olhos da minha namorada É como esta noite, passando, passando Em busca da madrugada Falem baixo, por favor

Pra que ela acorde alegre com o dia Oferecendo beijos de amor”

A mesma música retorna mais adiante, quando além de descrever de forma muito sutil uma cena romântica, também demostra que a força do amor de Orfeu por Eurídice é capaz até de fazer com que o sol rompa o véu da noite, trazendo uma alegre manhã de carnaval. Com uma alusão ao mítico Orfeu grego, que para trazer de volta sua amada, do mundo dos mortos, não poderia olhá-la enquanto ela não estivesse novamente sob a luz do sol. A ideia de levar essa história para uma favela no Rio de Janeiro surgiu quando, ao ler um livro sobre mitologia, Vinicius ouviu na vizinhança o som vindo de uma roda de samba.

No mito grego, Orfeu tocava uma lira, ao som da qual ninguém podia conter a emoção. Já no filme, toca violão e ao cantar a comovente “Manhã de Carnaval”, de Luiz Bonfá e Antônio Maria, faz despertar o amor de Eurídice por ele, como almas que se reencontram. Esse samba se tornaria uma das músicas brasileiras mais regravadas, contabilizando quase 300 registros fonográficos, incluindo interpretações por grandes nomes da música mundial.

“Manhã, tão bonita manhã

Na vida, uma nova canção

Cantando só teus olhos

Teu riso, tuas mãos

Pois há de haver um dia

Em que virás”

Conforme descrito na tragédia grega, o Orfeu negro também viaja ao submundo, para encontrar sua amada. A adaptação se dá em um terreiro de Umbanda, – religião de matiz africada surgida no subúrbio do Rio de Janeiro em 1908 -, onde o herói fala com sua Eurídice, uma última vez, entoando um ponto para Ogum Beira-Mar, em um gira de caboclos.

Após a tragédia de Orfeu, seu amigo Hermes, – uma referência ao deus grego mensageiro, inventor da lira e patrono dos poetas -, lhe ensina o valor da caridade e acima de tudo: da gratidão. Porque qualquer instante de encantamento, já terá iluminado o caminho de uma vida inteira.

O mágico encontro de Orfeu com Eurídice finda com “Samba de Orfeu”, outra parceria de Bonfá e Antônio Maria, coroando, – com uma das cenas mais bonitas do filme -, a certeza de que através da inocência das crianças, a alegria sempre haverá de renascer.

Por Mirianês Zabot * Texto publicado em 16/08/20 na coluna “Ouvimos”, do Cine.RG

[ Site: www.mirianeszabot.com.br | Instagram: @mirianeszabot ] Facebook: Mirianês ZabotOficial

Música “A Felicidade”, no show Mirianês Zabot e Oswaldo Bosbah cantam Vinicius de Moraes:

Share With:
Rate This Article

redacao@agenciadifusao.com.br