No caso da relação com o Brasil, muitos investidores se preocupam com o fato de o democrata ter uma linha ideológica bem diferente do presidente Jair Bolsonaro, o que pode prejudicar a relação entre os dois países. Segundo especialistas ouvidos pelo InfoMoney, porém, o impacto não deve ser tão grande.
Por Biden ser considerado centrista, o risco de propostas mais duras é visto como baixo. Durante evento recente realizado pela gestora BlackRock, Roberta Jacobson, ex-embaixadora dos Estados Unidos no México (2016-2018), avaliou que, com uma vitória do democrata, a relação entre EUA e Brasil não deve ser prejudicada, uma vez que Biden tende a se relacionar bem com diferentes líderes e costuma “se colocar no lugar do outro”.
“Uma das maiores habilidades dele é a comunicação interpessoal. Mas isso não significa um passe livre, ou seja, que ele vá ignorar questões como meio ambiente e direitos trabalhistas. Ele vai ser duro quando precisar”, disse ela.
Sobre estas questões que devem pesar mais, Sol Azcune, analista política da XP Investimentos, destaca que Biden citou o Brasil no primeiro debate contra Trump, citando os problemas de desmatamento na Amazônia.
Durante o debate, Biden propôs que países se reúnam para fornecer US$ 20 bilhões para a preservação da Amazônia e disse que o Brasil enfrentará “consequências econômicas significativas”, caso o país não pare a destruição da floresta.
“Dado que o Brasil já está enfrentando uma pressão nesta questão ambiental, em especial da Europa, provavelmente devemos ver uma ampliação dessa pressão com Biden se unindo nessa pauta contra o Brasil”, avalia Sol.
Apesar desta questão ambiental e alguns outros pontos específicos que possam gerar maiores discussões entre os dois governos, a relação diplomática e os acordos já realizados devem se manter.
Michael López Stewart, diretor da Arko Advice, consultoria especializada em política, destaca que existem “dois níveis da diplomacia”. “Temos a diplomacia em nível de narrativa, aquela de Twitter, da amizade pessoal, e temos a diplomacia técnica, que funciona dentro do Itamaraty com talvez um dos grupos mais preparados de diplomatas do mundo que o Brasil dispõe hoje”, afirmou ele em live no InfoMoney.
Segundo Stewart, o impacto de uma vitória de Biden seria no nível da macronarrativa, com mudança na aliança pessoal dos governantes, enquanto a cooperação técnica entre as duas nações, por ser mais profunda, deve se manter. “Nas reais relações entre os dois países, a mudança não seria tão brusca assim”.
Já Sol destaca ainda que, mesmo durante o governo Trump, o Brasil não conseguiu tantos benefícios como aliado. “Então a tendência é que não seja um impacto muito significativo ou muito duradouro, e que a comunicação entre os países continue”, afirma a analista, lembrando que integrantes do governo, como o vice-presidente Hamilton Mourão, já falaram que não teriam problemas em trabalhar ao lado de um governo Biden.
Entre os temas que devem ser foco da nova relação entre Brasil e EUA, está um amplo acordo de livre comércio, algo que Bolsonaro tem dito buscar desde que assumiu o poder, em 2019. Apesar de os dois países não terem conseguido uma parceria como essa, recentemente foi fechado um Acordo de Comércio e Cooperação Econômica (ATEC, na sigla em inglês) que prevê, entre outras medidas, a facilitação do comércio e o combate à corrupção.
Com Biden, não há expectativa de uma mudança neste sentido. Contudo, é a partir daí que temas como meio ambiente, direitos humanos e direitos trabalhistas podem pesar, com maiores dificuldades para o Brasil caso o democrata queira colocar pautas do tipo nas conversas.
Na mesma linha, a tão sonhada entrada na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também é um assunto que pode ficar mais complicado. Apesar de nunca ter se manifestado sobre isso, o democrata pode aproveitar a discussão sobre o assunto para tentar impor outras pautas de sua agenda.
Tecnologia é outro tema que deverá ser bastante observado com um novo governo americano, principalmente por conta do crescimento chinês nesta área. Recentemente, por exemplo, os EUA têm lutado para que a Huawei não consiga participar do leilão de 5G no Brasil.
Neste sentido, Biden tem um pensamento mais parecido com Trump, criticando a China, apesar de uma postura um pouco diferente quanto ao enfrentamento da situação. Mesmo assim, com o democrata no poder, a expectativa é que se mantenham as pressões para limitar o crescimento tecnológico chinês.
Fonte: InfoMoney
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