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SAINDO DO ARMÁRIO

A Espanha acaba de redesenhar o seu mapa político após o pleito do último domingo. O conservador Partido Popular saiu na frente, mas a prioridade nos votos não garante ao candidato Alberto Nuñez Feijóo a prerrogativa de ser o novo premier, já que o esquema de eleição parlamentarista espanhol é bastante complexo e depende da contradança dos partidos. O ultradireitista Vox foi o que mais encolheu e o fantasma do franquismo parece menos ameaçador, embora em corações e mentes ultradireitistas ele siga robusto. O Vox é homofóbico, islamofóbico, misógino, racista, supremacista ou seja, tudo o que escapa do escopo de empatia merece ser expurgado. O Vox existe há dez anos, formado por dissidentes insatisfeitos do Partido Popular, e tem, em sua agenda, entre outras coisas, a luta contra o aborto e a eutanásia, e a valorização de símbolos nacionalistas como as cores da bandeira e as touradas. Os inimigos são sempre os mesmos no imaginário dessa gente proba e apavorada – os pedófilos e os comunistas de plantão, o que equivaleria, em arquétipo de conto de fadas, ao Lobo Mau e aos Três Porquinhos. Nas comunidades autônomas – equivalentes a estados – onde passou a governar, o Vox já mostrou sua cara. Em Valdemorillo, próxima a Madri, uma peça adaptada do livro de Virgínia Woolf “Orlando” foi vetada porque as autoridades consideraram inapropriado um personagem homem que, lá pelas tantas, vira mulher. O filme de animação “Lightyear” também foi retirado de cartaz por exibir um beijo lésbico. Ou seja, o bicho-papão do sexo continua assombrando as mentes carolas. Tudo em nome de Deus, claro, já que elas não pensam por si próprias, elas Terceirizam para ficarem mais legitimadas na maldade travestida de bons costumes.

Na Polônia, a situação não é diferente. Um dos países pioneiros da Europa Oriental a descriminalizar as relações homossexuais em 1932, hoje ele vive um retrocesso. Desde a chegada ao poder do ultraconservador Partido da Lei e Justiça, em 2015, gays de todos os gêneros estão tendo de voltar para o armário com medo do que lhes possa acontecer. O arcebispo de Varsóvia Marek Jedraszewski rotulou a sigla LGBTQIA+ de “peste do arco-íris” em uma homilia. Trezentos membros de um grupo de extrema-direita invadiram a parada gay de Lublin, no leste do país, ferindo dezenas de pessoas com pedras e rojões. Janusz Korwin-Mikke, um dos líderes da Coalizão Liberdade e Independência afirmou que quem promove a pauta gay merece ser morto.

No Brasil escapamos de reeleger o elenco de canastrões maldosos que governaram o país por quatro anos sob a régia arreganhada do Imbrochável que, a cada dez palavras, arrota uma de ódio. Caso tivessem vencido, hoje, provavelmente, estaríamos rolando ladeira abaixo no quesito respeito ao próximo, ao diferente, ao que incomoda, ao que parece grotesco e anti-família. Falta a essa gente uma visão “camp”, teatral, burlesca da sociedade. Eles querem que as mulheres sejam Barbies, os homens Ken, e as casinhas de brinquedo tenham pássaros que chilreiam e sol espargindo raios em tons de azul e rosa.

É incrível que tanta gente fique incomodada com o que os outros fazem na intimidade, como se o que se fizesse entre quatro paredes fosse capaz de abalar as estruturas do edifício social. O que eles temem? Que tanto gay e tanta sapatão à solta façam a propaganda ser tão sedutora que o par homem-mulher fique obsoleto? Se ser hetero é que é o normal, por que para eles parece tão frágil e passível de substituição? Por que é tão diferente assim o sexo hetero e o sexo gay? Ok, entre os gays está descartada a hipótese da procriação, mas quanto de sexo hetero, de fato, é feito em nome do crescei e multiplicai-vos? E mesmo que a intenção seja essa, o caminho percorrido não é o mesmo: dois corpos nus ou mais correndo prazeirosamente rumo ao alívio? Os fins não justificam os meios?

Não que eu não tenha esses valores preconceituosos introjetados na minha mente de macho branco urbano classe média merda. Afinal, foram todos muito bem transmitidos desde a minha primeira infância, e talvez seja mesmo possível que no dia em que eu tenha entrado em contato no colégio com o teorema de Pitágoras, durante o recreio eu tenha aprendido de um coleguinha sacana que homem não senta de perna fechada nem deixa o punho solto a ponto de desmunhecar. A diferença é que, embora eu tenha esses valores hipócritas, eu não dou crédito a eles, eu não faço da minha “liberdade de impressão” – que, aliás, de livre tem bem pouco – uma força de expressão. Calo, várias vezes ao dia, pensamentos horríveis que não ouso comentar nem com o meu pior amigo. Já os patriotas, não. Os patriotas se orgulham de ser intolerantes. O inferno dos outros são eles.

Colocar Deus nessa patacoada toda é de uma crueldade atroz. É usar o Bem para fazer o Mal abençoadamente. Não sou eu que digo, está na Bíblia – é a cantilena dos maldosos para espalhar o medo de que, após a morte, haverá punição ao pecado.

A utopia será um dia todos entenderem que o diferente não ameaça o igual. Mas aí o mundo não será mais mundo.

Rodrigo Murat é escritor

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Agência Difusão

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