Leio a resenha no jornal. “O Corpo Desvelado”. Coletânea de contos eróticos brasileiros de 1922 a 2022 selecionados por Eliane Robert Moraes. Telefono pra loja. Tem? Sim. Podemos reservar um. Desperdiço a chance. Vou para São Paulo. Chego a ver o volume numa livraria, folheio, mas não compro. Uma semana depois, de volta ao Rio, quede? A edição evaporou de estoque. Consigo um único de raspão no site da Estante Virtual, que devoro como quem vai a um banquete e se lambuza até os ossos.
Incrível como sexo vende. Eu mesmo, quando, há anos atrás, inventei de adentrar o intrincado mercado editorial, investi no tema. Escrevi “Fricção – Memórias Eróticas de uma Loura”, assinando-o com o nome da personagem – Sylvana Sympson – e me escondendo por trás dela numa espécie de travestismo literário. Não deu certo. Fui abalroado pelo “Doce Veneno do Escorpião”, livro-diário de Bruna Surfistinha, que saiu no mesmo mês e com muito mais apelo – afinal a personagem era real, ao passo que a minha era inventada.
“O Corpo Desvelado”, como costuma acontecer com coletâneas, é bastante desigual. Tem contos ótimos e outros rasos, tocando no tema tprofundo do erotismo com mais derme que alma. Dos 71, seleciono 12 – impecáveis: “”O sexo não é uma coisa tão natural”, de Sérgio Sant´Anna; “Intestino Grosso”, de Rubem Fonseca; “Taís”, de Walmir Ayala; “Frederico Paciência”, de Mário de Andrade; “Episódio Coreográfico”, de Marques Rebelo; “Viagem aos seios de Duília”, de Aníbal Machado; “Hoje de Madrugada”, de Raduan Nassar; “Nem mesmo um anjo é entrevisto no terror”, de Samuel Rawet; “O vampiro da Alameda Casablanca”, de Márcia Denser; “O espelho”, Gastão Cruls; “Eros e civilização”, Modesto Carone; “Tigrela”, de Lygia Fagundes Telles. Curioso que todos os contos selecionados de 2000 pra cá são meio chochos. Terá o tema se esgotado? Não. Sexo, quanto mais se fala, menos se sabe.
No prefácio da edição, Eliane escreve: “O que se sabe do corpo erótico além daquilo que não se sabe? (…) Não surpreende, então que, sendo o erotismo um objeto privilegiado dos discursos que prometem dizer e mostrar tudo, este só façam obscurecer ainda mais a matéria de que se ocupam.”
Seleciono trechos de dois contos, duas pequenas degustações para excitar o espírito:
“Mas como é possível, penetrar num corpo que não é o seu próprio, e ali permanecer, dentro de entranhas, visgos, líquidos, paredes vermelhas que se ajustam como luvas e, ainda mais, dão prazer? (…) E depois soltar líquidos, fertilizar no desespero do gozo, o que, por sua vez, fará gerar outros seres dotados do mesmo trêmulo desespero?” (“O sexo não é uma coisa natural”, Sérgio Sant´Anna)
“Eu também no fundo gostaria de despir-me de mim. Quem estaria dentro de mim? Desconheço esse meu outro eu. Só sei que quero tomar nas mãos meu corpo, o meu desejo. Quero compartilhar o amor, mas não quero mais compartilhar meu corpo, nem doá-lo para ninguém, porque a posse não tem limites e quando eu quiser meu corpo de volta, estará perdido no meio da convivência, misturado ao desgaste da união. Seguirei a desafiante tarefa de me amar, sem delegar aos outros meus prazeres.” (“Palavras Nuas”, Esmeralda Ribeiro.)
Sexo, palavra solitária – só para parafrasear o belo título do filme de Carlos Reichenbach – “Amor, Palavra Prostituta”.
Rodrigo Murat é escritor
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