TOM ZÉ 85
Tom Zé completa neste mês de outubro 85 anos. Ganha homenagem do Museu da Língua Portuguesa com o curta “Línguas em Trânsito: Tom Zé”, onde o artista baiano revela, entre outras curiosidades, que seu primeiro LP – “Grande Liquidação” – de 68, foi inspirado no filme de Luís Sérgio Person – “São Paulo S.A.” –, e que sua música “Augusta, Angélica e Consolação”, é um “arrastão estético” na obra de Adoniran Barbosa – aquele que, nas palavras do homenageado, melhor soube retratar São Paulo em canções.
Demorei a me aprofundar na obra de Tom – não o Jobim, o Zé, este de que estamos aqui falando, e que é quase um Jobim ao avesso, travesso, travessão ponto-e-vírgula, e que na certidão atende pelo nome popular de Antônio José Santana Martins. (Agora sim, meu texto-sujeito alça-se à altura do tema-objeto. Para falar de TZ, é preciso sair do chão e dar pirueta.)
Só fui prestar atenção em TZ no final dos anos 90, quando ele compôs as trilhas dos espetáculos “Parabelo” e “Santagustin” para o Grupo Corpo. Era um período em que todo setembro eu ia ao teatro Municipal conferir a nova dança de Rodrigo Pederneiras e seus bailarinos, e invariavelmente voltava para casa com o CD do espetáculo debaixo do braço. “Santagustin” tem uma capa de pelúcia rosa, e é de arrepiar ouvir Tetê Espíndola cantando em agudo altíssimo no coro descabelado das Mulheres Épicas:
“Na Inglaterra/o choro destronou um rei/que por sua paixão/abandonou o trono e a lei/Até Santo Agostinho/por amor foi sua presa/E Deus, para esperá-lo/Assistiu muita proeza”
Anos depois, encontrei num camelô de calçada da Praia de Botafogo dois álbuns de TZ reunidos num único CD ao preço módico de 6 reais – “Se o Caso é Chorar” e “Estudando o Samba”. Já tinha na estante o seu “Estudando a Bossa Nova”, e anos depois compraria o “Vira Lata na Via Láctea”. (Se você nunca ouviu TZ, vá de leve, sua obra poderá soar cerca elétrica e jogá-lo longe. Recomendo os citados neste parágrafo – mais palatáveis e tonais.)
Há uns três anos atrás, assisti ao show-concerto-apocalíptico “Canções Eróticas de Ninar” e saí, como todos, estarrecido com o vigor cênico do octogenário. TZ no palco é uma criança, um clown, um cientista maluco que acaba de descobrir a fórmula da curiosidade e a cada acorde grita Eureca. Quando cantou “Por Baixo”, uma espectadora afoita ejetou-se da cadeira e foi para o meio do palco abraçar o músico e dançar desengonçadamente com a banda.
A letra da música não fez por menos:
“Por baixo do vestido: a timidez/baixo da timidez: a seda fina/Baixo dela: uma nuvem de calor/Baixo desse calor: um perfume da China/E por baixo do cheiro: a rede elétrica/Baixo da rede elétrica: os pelos/E por baixo dos pelos: as estradas/Que conduzem nos fios os teus arrepios/Manifestos em ois! e uis! e ais!/Lá onde a razão não chega mais/E por baixo de tudo/O mundo fica mudo/E a tua franqueza toda nua/Que se veste de luxo em pele crua.”
Gal, que namorou TZ, gravou esta canção no disco “Estratosférica”.
Recentemente, li a biografia “O Último Tropicalista”, escrita em italiano por Pietro Scaramuzzo, e que ano passado foi lançada no Brasil pelas Edições Sesc. Agora termino “Tropicália Lenta Luta”, lançado no início dos anos 2000 pela PubliFolha e que reúne textos assinados por TZ, letras das canções, e um bate-papo com Luiz Tatit e Artur Nestrovski, do qual retiro um trecho:
LUIZ TATIT – Naquele momento, finalzinho dos anos 60, houve uma confluência de fatores, claro: o Tropicalismo e você tinham interesse em música nova, tinham pontos em comum. Tinham tido formação de vanguarda e tudo isso, mas não tinham os mesmos propósitos, os projetos eram diferentes. Então, não creio que seja interessante esse vínculo tão crucial entre Tom Zé e o Tropicalismo.
TOM ZÉ – É verdade.
LUIZ TATIT – Seu projeto era outro, tanto que apareceu depois. Teve uma fase de incubação mais longa, mas apareceu depois. O que você acha?
TOM ZÉ – Acho perfeito; e nunca tinha pensado assim. Até para minha psicanalista vai ajudar muito.”
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O curta-metragem “Línguas em Trânsito: Tom Zé” está disponível no YouTube.
Rodrigo Murat é escritor
Imagem: Keiny Andrade/ Folhapress